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Texto de Marisa Antunes
Publicado no site da SALL
Em Portugal, a cada semana que passa, em média, 11 pessoas mudam de nome e género no Cartão de Cidadão. 61% são raparigas, segundo dados do Instituto dos Registos e Notariado. Um número que tem sido pouco destacado nos media apesar de revelar bem o aumento exponencial de pessoas a assumirem-se como trans, uma dinâmica que disparou desde a pandemia.
Desengane-se quem acha que não existe contágio social neste fenómeno. Por mais que os transativistas o afirmem, Portugal não está numa bolha e segue, apenas, uma infeliz tendência que já levou vários países a colocar travão a fundo na abordagem que durante os anos mais recentes acabou por desencadear uma crise identitária de que não há memória, junto dos mais jovens.
Com os media nacionais ainda muito alinhados com as organizações ativistas LGBT, existe um total vazio informativo sobre este fenómeno identitário mas que é urgente contornar em nome da verdade dos factos. É por isso uma autêntica lufada de ar fresco saber que a SALL – Associação de Defesa de Liberdade, pretende aprofundar o tema e estimular o debate público, urgente, tendo em conta os impactos irreversíveis a que se sujeitam estes jovens em questionamento identitário.
O anúncio foi feito no II Simpósio do SALL, que se realizou recentemente em Lisboa, no auditório da CUF Tejo, e que reuniu diversos oradores em torno do tema “Uma questão de género?”.
Ao longo de um dia inteiro, especialistas de variadas áreas partilharam conhecimento e experiências que permitiram concluir que a sociedade portuguesa não pode continuar a ver vedado o seu direito de informação num tema tão fraturante.
É urgente dar voz a psiquiatras como Pedro Afonso, ou a psicólogos como Joana Amaral Dias, que nas suas intervenções lembraram a complexidade do diagnóstico de disforia de género e da necessidade de compromisso ético e clínico com os seus jovens pacientes, tendo em conta, o que está em causa. E, acima de tudo, é fundamental não negar as evidências a troco de pressões ideológicas e perceber “que os contágios sociais – como sucede com o fenómeno trans – não são alheios à psicologia”, bem pelo contrário, como bem sublinhou Joana Amaral Dias, dando como exemplo a anorexia.
Mais de 50 géneros
Numa sociedade em que se normalizou a ideia não fundamentada cientificamente de que o género não é binário e que resulta apenas de uma construção social, como acontece em Portugal com o conceito de identidade de género a ser transmitido nas escolas, Pedro Afonso alertou também para os riscos da lei da autodeterminação de género, no atual contexto ideológico onde os ativistas chegam a defender “a existência de mais de 50 géneros”.
O psiquiatra lembrou que na origem desta desinformação está a retirada da “disforia de género” da lista de doenças mentais constante da Classificação Estatística Internacional de Doenças feita pela OMS (CDI-11), que sempre foi considerada uma doença psiquiátrica (DSM5). Esta “despatologização” da disforia, com a consequente dispensa de relatórios psiquiátricos e que no passado eram essenciais para iniciar os processos de transição, abriu portas aos auto-diagnósticos dos pacientes, muito deles demasiado imaturos ou mentalmente instáveis para tomar decisões tão irreversíveis. “Há situações clínicas que se podem confundir com a designada perturbação de identidade sexual (“disforia do género”) como são, por exemplo, os casos da perturbação dismórfica corporal, em que a pessoa tem uma percepção errada do seu corpo”, exemplificou ainda Pedro Afonso, lembrando que a utilização na disforia de género de terapias hormonais em crianças e adolescentes, sem base científica, como é o caso dos bloqueadores da puberdade, provavelmente ficará como um dos grandes escândalos médicos da história da Humanidade, a par da Lobotomia, que deixou um rasto trágico de vítimas.
Algumas das intervenções do simpósio ficaram a cargo dos juristas. Teresa de Melo Ribeiro assegurou o enquadramento jurídico das atuais leis que regem e cruzam as questões de identidade de género desde 2011 até à atualidade. Portugal foi absolutamente inovador em matéria legislativa – o que revela bem a influência do lobby LGBT – e aprovou, em 2011, a primeira lei – nº 7/2011 – “de identidade de género” do mundo. Foi a primeira a não exigir qualquer transformação corporal para o reconhecimento legal de nome e menção ao sexo nos documentos de identificação.
Várias outras propostas e alterações legislativas se seguiram, com impacto não só na regulamentação da mudança de nome e menção ao sexo nos documentos de identificação, mas também no Estatuto do Aluno (2012), no Código Penal (2013) ou no Código do Trabalho (2015).
A “inovadora” lei de 2011 tinha, porém, um senão (para os transativistas, claro) – o registo obrigava à inclusão de um relatório médico que comprovasse o diagnóstico de perturbação de identidade de género, também designada como transexualidade, elaborado por uma equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica em estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro, relatório esse que tinha de ser subscrito pelo menos por um médico e um psicólogo.
E, por isso, em 2018, quase sem debate público, é aprovada pela Gerigonça e o executivo PS, então no poder, a Lei nº 38/2018, de 07.08, que veio estabelecer “o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa”, fixando novas regras para o, agora denominado, procedimento de “reconhecimento jurídico da identidade de género”. Assim, “o diagnóstico médico de perturbação de identidade de género deixou de ser exigido, passando a identidade de género a ser livremente auto-percebida, auto-atribuída e auto-determinada”, explicou ainda a jurista.
Outros avanços ideológicos foram acontecendo de que é exemplo a lei da autodeterminação de género nas escolas e que permite a transição social dos alunos, até sem o consentimento os pais, uma proposta de lei que foi vetada pelo presidente da República, mas que está em prática em vários estabelecimentos escolares, dos quais o exemplo mais flagrante é a escola artística António Arroio, em Lisboa, como pude comprovar junto de pais cujos filhos frequentaram ou ainda frequentam a instituição.
Recorde-se que a transição social é considerada uma intervenção psicológica e que não deveria ser feita de forma ‘ad-hoc’, sem um acompanhamento especializado e sem o devido diagnóstico, acarretando riscos para os jovens envolvidos, como bem sublinhou Hillary Cass, no Cass Review ou Stella O’Malley, psicoterapeuta irlandesa, fundadora da Genspect que tive oportunidade de entrevistar recentemente. No Cass Review, refere-se expressamente que uma criança que é incentivada a uma transição social, sem o devido diagnóstico médico e sem o consentimento dos pais tem maior probabilidade de ter uma trajetória alterada, levando a uma intervenção médica que terá implicações para toda a vida.
António Costa não deixaria o Governo sem antes aprovar, às pressas, a lei contra as terapias de conversão sexual, uma legislação controversa e que iniciativas similares em outros países têm gerado aceso debate. Por cá, mais uma vez, não terá despertado grandes comoções, salvo alguns esforços individuais para alertar a sociedade.
Um dos artigos mais polémicos da dita lei sublinha que “quem submeter outra pessoa a atos que visem a alteração ou repressão da sua orientação sexual, identidade ou expressão de género (…), é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”. Uma ameaça levada à letra pelos profissionais de saúde mental que atualmente se sentem coagidos a se resignarem ao papel de meros ouvintes e confidentes nas consultas a pessoas com questionamentos identitários, ficando assim obstruído o diagnóstico clínico…
Recorde-se que no célebre Cass Report, a investigação que resultou do encerramento da maior clínica de género da Europa (a GIDS) integrada no hospital britânico Tavistock, por denúncias de negligência médica, foi possível apurar que muitas das crianças e jovens intervencionados hormonal e cirurgicamente, pura e simplesmente, viram as suas comorbilidades mentais relegadas para segundo plano, como por exemplo, o autismo, traumas sexuais ou depressões profundas.
Crianças retiradas aos pais
Em destaque também no simpósio e ainda do foro jurídico foram os casos práticos apresentados pelos juristas da própria associação SALL – que, recorde-se, foi criada para defender a liberdade de educação, de expressão e religiosa por vias judiciais, e da a Alliance Defending Freedom (ADF) International.
Guillermo Morales Sancho veio apresentar um dos casos mais dramáticos que a ADF International acompanha, em representação dos pais contra o Estado suíço que lhes retirou a custódia da filha menor porque se recusaram a validar a sua autodeterminação de género surgida inesperadamente na pandemia, numa altura em que a criança passou por uma severa depressão.
A jovem fez o ‘coming-out’ como trans na escola e foi imediatamente validada pela comunidade educativa, a psicóloga escolar e uma associação LGBT, entretanto envolvida no processo de transição social. Os pais não consentiram nesse processo e iniciou-se aqui uma batalha judicial com o apoio da ADF International.
A criança foi retirada aos pais pela Comissão de Proteção de Menores e estes têm tentado desesperadamente travar, o tratamento hormonal (bloqueadores hormonais) que o hospital pretende iniciar junto da menina.
O caso tornou-se mediático a uma escala planetária e o vídeo que relata este drama já atraiu mais de 66 milhões de visualizações, uma das quais de Elon Musk, que, como se sabe, entende bem esta angústia. O homem mais rico do mundo partilhou o vídeo na sua conta X e escreveu – “Isto é insano. Este vírus suicida está a espalhar-se por toda a Europa Ocidental”.
Por cá não surgiram ainda, de forma pública, casos desencadeados judicialmente por pais, mas posso adiantar que também já existem processos de menores retirados aos seus progenitores por denúncias desencadeadas por psicólogos escolares tendo por base o argumento de “maus tratos psicológicos”.
Ao SALL têm chegado outro tipo de pedidos de ajuda mas também associados a questões de identidade de género. Um dos mais recentes envolveu uma queixa feita por um colégio internacional localizado em Lisboa, contra os pais que recusaram ver os filhos a participar na marcha de Orgulho Gay e a integrar uma peça de teatro sobre pessoas transgénero, iniciativas promovidas pela escola. Perante a recusa dos pais, a direção da escola resolveu denunciar o caso à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), um processo desencadeado sem o seu conhecimento.
Foi por isso com profunda surpresa que esta família foi notificada pelo Tribunal de Família e Menores com uma medida cautelar que visava identificar indícios de violência doméstica tendo por isso envolvida a auscultação das cinco crianças que fazem parte do agregado familiar.
Ao SALL coube representar e acompanhar a família em todo o processo que acabaria por ser arquivado.
Trans em modo instantâneo
Ainda a processar todo o impacto danoso de diagnósticos apressados feitos por psicólogos e psiquiatras afirmativos e que pouco tentaram saber sobre as reais causas da disforia dos seus filhos, está um grupo de pais que resolveu criar o movimento cívico Juventude em Transição e que também se fez representar no simpósio.
Este movimento, que reúne além dos progenitores de jovens em questionamento identitário, também pessoas em destransição, psicólogos e outros profissionais, apela a uma intervenção menos medicalizada e mais focada na psicoterapia. A Juventude em Transição (JeT) é também o grupo oficial de pais portugueses integrados na rede da Genspect, organização internacional presente em 25 países e que tem vindo a alertar para a toxicidade ideológica que gangrena a medicina de género.
As histórias de todos eles são muito similares: os filhos (maioritariamente são meninas) nunca tiveram sinais de incongruência de género durante a infância, passaram de um momento para o outro para uma identidade trans durante a pandemia e após um período de grande ansiedade e depressão. São jovens com notas acima da média e uma boa parte frequenta escolas de ensino integrado na área das Artes. Apesar do elevado QI, são muito imaturas e dadas a pensamentos profundos e existenciais. Em todos os casos que ouvi, a escola teve um papel fundamental na transição social e os professores adotaram o nome social, alguns deles sem o consentimento dos pais. Os psicólogos, alguns deles escolares, tiveram um impacto determinante na consolidação da ideia da identidade de género como pessoa trans.
Do auto-diagnóstico e validação dos pares e adultos de referência, estes jovens partem rapidamente para uma transformação física. De meninas femininas à criação de uma espécie de alter-ego masculino, que implica um novo corte de cabelo e roupas de homem, é um ápice.
O comportamento afetivo para com a família também muda drasticamente tornando-se inesperadamente distantes se os pais não acederem de imediato às suas exigências que podem ir da adoção do nome social, o autoatribuído, até ao anúncio de que pretendem tomar hormonas e efetuar mastectomias e histerectomias (extirpação do útero). Assim, de um momento para o outro…
Este comportamento padronizado é decalcado do que é promovido por influencers online (alguns com milhões de seguidores em redes sociais como o Tiktok) e acompanha as tendências de outros países ocidentais onde o fenómeno ROGD (Rapid Onset Gender Dysphoria, à letra Disforia de Género Espontânea), está mais desenvolvido.
A investigadora Lisa Littman estudou a fundo o contágio social e cunhou o termo ROGD mas foi a jornalista Abigail Shrier que lhe deu escala meteórica ao escrever detalhadamente sobre esta espécie de culto no seu premiado livro, muito odiado pelos transativistas – “Irreversible Damage, The Transgender craze seducing our daughters – e que já levou vários países a colocar travão a fundo na chamada abordagem afirmativa (que assenta em terapias hormonais e cirurgias de redesignação de sexo), entre os quais o Reino Unido, Bélgica e os Países Baixos , Suécia, Noruega, França ou a Dinamarca, por exemplo.
“Os miúdos consumiram horas e horas de conteúdo online durante a pandemia em matéria de ideologia de género e consolidaram ideias de que o género não é binário, resulta da construção social, de que podem ser o que quiserem, inclusive mudarem de corpo. Mas estas ideias que lhes foram semeadas online, apenas germinaram porque adultos de referência como psicólogos, psiquiatras e professores lhes deram a sua validação”, atira um pai de uma jovem ROGD, à margem do simpósio.
De facto, a ausência grosseira de uma abordagem sistémica” para os diagnósticos clínicos têm causado um rasto de destruição na vida de muitas famílias.
“Bastou uma consulta, apenas uma consulta, com o psiquiatra – de uma das unidades de medicina de género de Lisboa – para que ele encaminhasse a minha filha para o endocrinologista e a terapia hormonal”, contou “Maria”, uma outra mãe do JeT, que pede o anonimato.
“Fiquei chocada. Nessa altura a minha filha estava a tomar antidepressivos e ansiolíticos fortíssimos… Sabendo da fragilidade mental da minha filha naquele momento, questionei-o sobre a razão pela qual estava a priorizar de imediato a identidade de género em detrimento da saúde mental, numa miúda que durante toda a sua vida nunca tinha tido qualquer problema com o seu corpo ou com a sua identidade…”, recorda esta mãe, acrescentando que demorou apenas 15 minutos para a filha receber o livre trânsito para as hormonas.
Numa altura em que as consultas de género dispararam nas unidades especializadas e que se registam aumentos históricos de mudança de nome e género no Cartão Cidadão – um fenómeno transversal aos países ocidentais, confirmando que existe contágio social online – é, pois, urgente rever abordagens terapêuticas à luz das novas recomendações de boas práticas.
E é urgente traçar o retrato claro, sem subterfúgios e bloqueios, do que está efetivamente a acontecer em Portugal, de que forma e por que meios, estatais e privados. Muitas clínicas privadas encheram-se inesperadamente de clientes num rentável filão que muitas vezes é até financiado por campanhas de “GoFund me”, o que permite que estes jovens, mesmo sem o apoio dos pais e financeiramente depauperados, consigam avançar com as cirurgias de mudança de sexo.
Refira-se que este ano e até agosto, 365 pessoas mudaram de género e nome no cartão de cidadão, uma média de 11 por semana, das quais 61% foram raparigas a transacionar para rapazes. No ano passado chegaram às 529 pessoas, uma média de 10 por semana (uma delas menor). Já em 2022, a mudança tinha sido requerida por 519 pessoas, um aumento de 30% em relação a 2021, ano onde o acréscimo já tinha sido bastante significativo em relação a 2020, em cerca de 70%.
Nesta espiral de números urge perceber quem precisa realmente de se encharcar em hormonas e perder partes saudáveis do seu corpo ou simplesmente receber psicoterapia.
Um tema controverso que está longe de reunir consensos mas cuja sensibilidade torna incontornável uma maior reflexão e debate. As crianças e jovens com crises identitárias agradecem.
Artigo publicado na SALL